quinta-feira, 3 de junho de 2010

Nem quis acreditar...

Sempre fui uma mulher de esquerda.
Sempre acreditei na nobreza da política.
Sempre acreditei no trabalho que fazia.
Sempre defendi o poder autárquico democrático pela importância da sua proximidade com as populações.

Sempre acreditei que um dos maiores ganhos de Abril foi a representatividade parlamentar e que os deputados eram o garante da vida democrática.
Sempre acreditei nos valores de Abril !
… mas hoje … quando vejo a incoerência de quem propagandeia a crise nacional nos media e nos afronta com notícias como a que refere o milhão de euros gastos na aquisição de carros para os nossos representantes, tenho dúvidas na democracia que sonhei , no País de Abril que sempre me norteou os dias.

Descobri no outro dia , consultando o Diário da Republica, que a 10 de Fevereiro deste ano, os deputados que todos elegemos,do Cds-PP ao Bloco de Esquerda, aprovaram o orçamento da Assembleia da República, no valor de 191 milhões e quinhentos mil euros.
Sinto-me insultada!

Conheço a crise - quem trabalha no interior e entra a meio da semana numa aldeia, às 3 da tarde e vê dezenas de jovens sentados nas soleiras das portas de cerveja na mão, quem trabalha com crianças cada vez mais pobres , mais desprotegidas, mais condicionadas na voz, no gesto e no olhar; quem conhece tantos velhos a viver da esmola dos vizinhos, abandonados pelos poderes públicos , tentando fazer render uma reforma miserável - conhece bem a crise e tem dúvidas, muitas dúvidas sobre a natureza humana e a nobreza da política.Conheço a crise dentro da minha casa, onde cada vez é mais difícil fazer frente às despesas de todos os dias e justificar aos filhos porque é importante trabalhar dignamente e servir a causa pública.

Trabalho numa autarquia em crise. Escutei durante a última campanha eleitoral ecos que falavam da centralidade de minha cidade, falavam de mudança, da afirmação da cidade no país e hoje vejo amputarem-se os orçamentos dos equipamentos culturais da cidade, usando o argumento da crise para atingir de morte tudo aquilo que culturalmente a prestigia a nível nacional e internacional. Vejo executivos Municipais a definir agora medidas de austeridade, depois de terem votado para si cartões de crédito de 900€ logo aumentados para 1200€ mensais ( e até nem é pelo valor, mas por aquilo que simbolicamente isso significa) vejo presidentes invisíveis e figuras de segundo plano, déspotas, a gerirem o bem público como se fosse uma mercearia.

Olho à minha volta e vejo uma rede de leitura pública em estertor, com os bibliotecários colocados na prateleira e bibliotecas públicas a serem geridas por empresas, ou por sujeitos sem formação específica, mas que têm a confiança política dos executivos municipais. Vejo o património das bibliotecas ( o seu acervo ) a morrer de desactualização. Bibliotecas que desde Setembro de 2009 não compram um livro infantil. Vejo equipas reduzidas ao mínimo dos mínimos, desmotivadas, desgastadas por terem sempre que fazer o melhor com cada vez menos, desgastadas pela incapacidade de responder aos seus leitores, de intervirem nas comunidades que devem servir.

Olho para a minha cidade e vejo-a deserta, dividida entre o discurso revanchista e reacionário de quem se identifica com o poder vigente e o discurso demagógico e envergonhado de quem já foi poder. Entre um e outro discurso fica ,a cidade deserta, o mundo rural morto, o movimento associativo manietado,a incapacidade de pensar a cidade para além das cores do "clube" de pertença.

Olho para o meu país e vejo a corrupção, os interesses partidários, os lobys,as medidas penalizantes sobre quem vive exclusivamente do seu trabalho, uma Escola sem perspectiva, um sistema de saúde depauperado, a desertificação do interior, a solidão dos meus velhos, a falta de esperança das minhas crianças.

Vejo-me a mim, cidadã, com 23 anos de funcionária pública, a desacreditar e quase ... quase... a dar-me por vencida.

2 comentários:

  1. Também eu me sinto dessa forma, amiga, colega funcionária...
    Também eu desacredito a cada dia nos poderes, os vigentes, os que já vigoraram, os que querem lá chegar.
    Também sinto o desalento, abomino a demagogia, e me revolto com a incoerência e os dois pesos e duas medidas.
    Também eu, como tu, como tantos, quase me dou por vencida mas depois vem aquela réstea de fé na humanidade, a lembrança de pessoas boas e diferentes e faço por acreditar que ainda há esperança. Beijo.

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