domingo, 29 de agosto de 2010

Assim não vamos longe...


Moro numa aldeia pequena, na parte mais velha, num pequeno largo meio abandonado ao sossego e à canícula dos milenares agostos alentejanos.
Pouca vizinhança, quase todos velhos, uma ou outra família mais numerosa - a quem um dia hei-de perguntar a receita de fazer render dois ordenados mínimos, para 7 pessoas – um ou outro rendimento social de inserção. Em comum tem uma história de baixa escolaridade e endémicas exclusões.

O Estado Providência, sério, pediu-lhes , num destes dias para apresentarem prova da sua situação , medida deste logo bem recebida pela populaça , sedenta por ver cortados os “ benefícios “ a essa “gentalha” dependente do rendimento social de inserção. O Estado Providência pede-lhes prova obrigatória pela internet ...
o mesmo Estado Providência que fecha os olhos aos Off - Shores,
o mesmo Estado providência que paga ordenados milionários aos gestores de empresas públicas, que por não terem concorência , estão predestinadas ao sucesso, ( e que tal rodarem num CP, para que esta dê menos prejuízo );
o Estado Providência que se dá ao luxo de desbaratar anos e anos de fundos comunitários numa politica de acessibilidades obsoleta, numa política de saude desastrosa, política de justiça suspeita ;
o Estado Providência que ao longo destes anos criou centenas de mecanismos de parasitismo e lobbys, no poder politico - quase transformado em casta – mas também no poder diplomático, no poder judicial; nas empresas públicas;
o Estado Providência, que após 36 anos de democracia, ainda não foi capaz de gerar mecanismos de combate à promiscuidade entre a politica e a economia, promiscuidade entre os interesses partidários e os interesses do país, entre os interesses de alguns e o bem de todos;
o Estado Providência que perdeu o sentido de serviço público e que durante estes anos , colocou o nosso sistema educativo à deriva sem conseguir , pelo menos nas questões essenciais criar um pacto de regime, estável;
o mesmo Estado Providência que permite que altos responsáveis pela área financeira de autarquias digam que se pudessem fechavam bibliotecas;
Pois é mesmo este nosso Estado Providência, que enviou uma carta a mais de 2 milhões de portugueses , beneficiários do rendimento social de inserção e subsídio social de emprego, onde refere ser obrigatória a prestação de prova de rendimentos utilizando os recursos electrónicos do Sistema - site da segurança Social : - “ As provas são obrigatoriamente efectuadas no sítio da internet , em www.seg-social.pt, para que deve ler, com atenção as instruções que seguem nas folhas em anexo…” e seguem-se as medidas penalizadoras para a prestação de declarações erróneas. EXTRAORDINÁRIO! Que estado rigoroso! Que administração tão moderna!
Com malabarismos destes, no meu Portugal utópico, no meu Portugal de Abril, os pobres que já perderam os meios de subsistência, estão agora também a ser espoliados do seu direito fundamental: o direito à dignidade.

Pedir a um subsidiado que apresente a sua declaração de rendimentos recorrendo a meios electrónicos, pode significar muita coisa e nenhuma, abonatório para o estado providência: imaginação delirante, insanidade total, uma crença cega no plano tecnológico nacional, um erro técnico, a ideia de que o Simplex eleitoral deu buraco; uma falta de respeito por mais de dois milhões de analfabetos funcionais, info excluídos... " Tenho - pelo meu país - um grande amor, marcado pela dor ...!( há grande Mário ! ) "

Estes gestos descredibilizam o discursos de rigor e seriedade na gestão do interesse público e revelam a demagogia desta enormíssima manobra de marketing político, oportunista , mais uma, que apenas serve para apaziguar ânimos e branquear o estado a que o país chegou.

A Segurança Social Portuguesa, já devia ter instituido uma regra que obrigasse os seus utentes subsidiados, à apresentação semestral ou anual de uma declaração de rendimentos. É que todas estas pessoas , supostamente , estão a ser acompanhadas por equipas técnicas, que reportam regularmente a informação aso serviços. Como é possível pedir que isto se faça pela internet? Não se conhece o perfil dos utentes destes serviços? Porquê esta abordagem massiva? Para jogar com a mediatização da medida e dar um sinal - ao país que tem trabalho, que desconta, que suporta, que está descontente- de que existe uma política de rigor governamental .
Uma medida desta natureza só tem um objectivo, iludir o povo e dar uma aparente seriedade e ar de modernização ao sistema e já agora , no meio deste malabarismo mediático, poupar uns trocados.

O poder está cada vez mais arrogante e os pobres cada vez mais humilhados. Afinal de contas a quem serve este Estado Providência?

3 comentários:

  1. Para que serve este Estado? Serve para legitimar o poder que o suporta e não gosta de dar o rosto porque a publicidade é má para os negócios.
    O Estado enquanto garante dos direitos universais, dolorosamente conquistados (apesar de nunca os ter garantido por completo) está evidentemente em atrofia, regressando, de forma acelerada, a uma era pré-industrial, senão mesmo feudal, em que a dignidade é negada todos os dias, de forma gritante em casos como aquele que a minha amiga refere, como em outros, de forma mais generalizada, mais subtil e infelizmente menos consciencializada por parte da suas vítimas - nós todos.
    Neste negócio de governar e ser governado é preciso tanto denunciar as múltiplas situações que negam a dignidade humana como, de forma mais simples e sintética, gritar de vez em quando, contra os seus autores ou intérpretes um sonoro FILHOS DA PUTA!!!
    À indignação não pode faltar a força dos argumentos como também não pode faltar a força iconográfica da palavra. E se no princípio era o verbo então vamos votar, propor, denunciar, intervir, lutar, mas também, de vez em quando gritar alto e bom som - FILHOS DA PUTA!!!
    JR

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  2. e é esse Estado-providência, carregado de injustiças e desigualdade com quem trabalha e sustenta esse parasitismo social, que agora está falido e mais uma vez, é quem levanta cedo para trabalhar, que vai pagar a crise. Esses parasitas continuam a sê-lo.

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