domingo, 13 de fevereiro de 2011

Nortada...

O dia amanheceu encoberto e a planície assemelha-se vagamente ao palco da Nortada de Olga Roriz. Uma criadora de primeira água que rescreve a memória, com o corpo, recuperando paraísos perdidos.

Sucedem-se imagens quase fotográficas , como se fossemos convidados a ler a memória desse lugar imaginário, através dos olhos de uma criança: jantares em silêncio apenas entrecortados pelo tocar dos talheres nas loiças; a presença constante dos pés - da lavagem dos pés – da água que purifica e que às vezes convida à evasão mesmo que a viagem seja num barco de papel num mar de tormentas. Guardo a evasão do mar escutado num búzio, uma praia invernosa encenada com sal , gelo e gaivotas como bibelôs,num quadro de absurdos.

A distribuição milimétrica da seara vai soçobrando sobre os pés de quem dança, de quem brinca, de quem sofre, os pés e os sapatos, metáforas da construção dos caminhos com os quais refazemos permanentemente o círculo imperfeito .

Guardo os rituais da terra,do linho, do vinho e a bebedeira que é a vida, bem como e emoção de escutar a celebração da alegria na toada das rebecas de cabo verde.Guardo o assombro, a ironia, o inexplicável, guardo...

Guardo na memória esses misteriosos seres que caminham sobre engrenagens simples – mesas - que se sucedem invisíveis e que nos guiam o caminho. Talvez cadafalsos. Guardo uma mesa, uma passadeira de numa linha de montagem em torno da qual vamos repetindo e acrescentando os gestos com que se reconstrói permanentemente o quotidiano, até ao último, o mais forte de todos os foguetes desta FESTA que é a vida.

Guardo na memória outros espectáculos e outras emoções as que me fazem sempre ir ao encontro desta criadora.

Guardo e imagino: se a belíssima sessão com que o Pax Júlia nos presenteou ontem à noite, tivesse sido precedida, por uma versão reduzida do espectáculo, comentada pela criadora, dirigida ao público escolar, aos alunos do conservatório, aos idosos da nossa comunidade – que outras tantas leituras, que outras experiências estéticas, cada um deles teria acrescentado nas suas vidas?!...

3 comentários:

  1. Não corrigi o anterior e não saíu o que pensara. Para eliminar e substituir por este:

    Uma excelente "crítica" de um excelente espectáculo. Onde se conseguem descobrir as intenções da criadora, neste belo fresco da infância e da adolescência, da terra e do mar, do vinho e do sal, da areia e do vento.
    José Filipe

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  2. Que belíssimo comentário! Que belíssima leitura sobre tudo o que ali se passou e fiz.
    Muito obrigada por tão belas palavras, pensamentos,...
    Olga Roriz

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