sábado, 6 de novembro de 2010

Lá está ela a meter veneno II !

Dizem que o Guerra Junqueiro tinha mau feitio. Talvez sim. Do que escreveu conheço um ou outro texto disperso e é claro , a Velhice do Pai Eterno, de onde fixei sempre este pedaço ...
O PAPÃO
As crianças têm medo à noite, às horas mortas,
Do papão que as espera, hediondo, atrás das portas,
Para as levar no bolso ou no capuz dum frade.
Não te rias da infância, ó velha humanidade,
Que tu também tens medo ao bárbaro papão,
Que ruge pela boca enorme do trovão,
Que abençoa os punhais sangrentos dos tiranos,
Um papão que não faz a barba há seis mil anos,
E que mora, segundo os bonzos têm escrito,
Lá em cima, detrás da porta do infinito!
Fabuloso!
Mas escreveu mais . Em 1896, Guerra Junqueiro, na sua polémica "Pátria" traça a pincel, a sociedade portuguesa da época. Confesso que me soou a algo estranhamente familiar ...
O POVO ...
" Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias,sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta. (...)
A BURGUESIA ... lindo !
" Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula, não descriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados na vida íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira à falsificação, da violência ao roubo, donde provém que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis no Limoeiro. (...)
O PODER LEGISLATIVO ... tenho a sensação que já vi isto em algum lado ?!
(...) Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este criado de quarto do moderador; e este, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do País.(...)
A JUSTIÇA ... também me é familiar ...
(...) A justiça ao arbítrio da Política, torcendo-lhe a vara ao ponto de fazer dela saca-rolhas.(...)
... E POR FIM ... A CEREJA NO CIMO DO BOLO !
(...) Dois partidos sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes, vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não se malgando e fundindo, apesar disso, pela razão que alguém deu no parlamento, de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar."(...)
Percebo agora porque que o gajo era polémico e até parece que há coisas que nos estão na massa, no sangue.
Lá está ela a meter veneno!

3 comentários:

  1. Não resisto,taquelina, e vou copiar, citando a fonte. Esta viagem GuerraJunqueiral anti-terrorismo (o tal que nos ataca diariamente, par que a gente tenha ainda mis meeedo, e não resfolegue, e se esconda debaixo da cama)deliciou-me.
    Envenena, mulher. Envenenemos...
    MJV

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  2. Ah pois é, mudam-se os tempos, mas mudam pouco outras vontades. Adorei o veneno. Por mim podem vir mais doses.
    Bjinhos

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  3. Somos arrastados na tua voragem como se fora a pressa do poeta...

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