Voltar é o último momento da viagem e gosto de o fazer lentamente. Tanto tempo fora, exige cuidados no regresso…. Não se pode regressar de supetão! Podemos não aguentar a emoção. Os golpes de vento, o frio.
Por cá, aparentemente, tudo está na mesma… No entanto nas muitas casas onde habito, as mulheres estão todas mais maduras e nas aldeias, o feminino que sempre foi o suporte das casas, pouco a pouco sai e ganha as ruas. É lenta esta mudança. Ninguém as vê, mas elas lá estão resistentes e na base da estrutura das pequenas comunidades. Entre muitas outras coisas, cuidam dos netos. Algumas contam, algumas cantam. Algumas lêem livros.
Na Trindade vive uma destas mulheres. Uma mulher leitora. Não sei muito sobre ela, mas sei que só ela conhece O LIVRO quase de cor. Herdou-o do pai, todo escrito a recortada caligrafia. O LIVRO a partir do qual ensaia o presépio da Trindade enquanto aqui lê um pedacinho da loa, ali canta a cantiga da cigana que ia adorar o menino, de vez enquanto lamenta, não ter mais gente a ajudar a fazer o Presépio, não ter um tocador.
Este auto de Natal, tão antigo, onde só entravam homens, hoje quase não os tem. Fazia-se na véspera de Natal, na rua, no largo. Fogueiras todas em volta e entrava a Loa. A aldeia enchia-se de povo preparado para escutar uma noite inteira e todos sabiam que graças a ele teriam o necessário para o almoço de Natal.
O LIVRO jaz sobre a mesa, envelhecido. Apenas ela é capaz de o tornar vivo quando o conta. Diz o livro, servindo de ponto e de modelo. Ela sabe qual é a cadência certa, o LIVRO não.
O livro não conta como tudo se fazia, não conta que as vestes eram feitas de saca e pano de camisa… Sem ela O LIVRO é letra morta. São as pessoas que dão sentido aos livros. Diria mesmo mais são as pessoas que dão sentido aos objectos culturais.
As viagens à memória são sempre instrutivas. Obrigam-nos a recordar o que fomos e a perceber que temos de olhar melhor para o que acontece perto de nós, como o auto de Natal da Trindade e tantos outros. Não por ser moda, mas porque o que ali vai acontece - dia 6 de Janeiro - O Presépio, nos diferencia e apesar de todas as crises, persiste. Resiste.
A afirmação de cada país, cidade, organização, de cada pessoa, constrói-se da sua capacidade de construir compromissos, entre deveres e direitos, entre responsabilidade e liberdade entre a produção e o lucro, entre tradição e contemporaneidade, mas sempre em torno das pessoas. As pessoas são sempre a solução, nunca o problema.
A afirmação de um mundo mais MUNDO, passará sempre pelo compromisso que permita que cada um de nós esteja individualmente melhor, porque todos vivemos melhor e mais inteiros. Estes são os meus votos para o ano que agora começa!
( in :Diário do Alentejo , Dez,2011.
Gosto de rever esta tua escrita...:-))
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