“ Ser
solidário assim para além da vida /Por dentro da distância percorrida / Fazer
de cada perda uma raiz /e improvavelmente ser feliz(…)”
Existirão
muitas maneiras de falar de Abril. Tantas como as palavras que o contam. Eu
escolho, por agora, as palavras dos poetas. Ninguém melhor do que os poetas para
falar dessa “ (…) madrugada tão esperada,
esse dia inicial inteiro e limpo, onde emergimos
da noite e do silêncio e livres habitamos
a substância do tempo”- um poema maior de Sophia de Mello Breyner Andresen que desta forma
evocou a maior conquista de Abril: a liberdade.
Ao olhar para a distância percorrida, as nossas primeiras palavras são de celebração e homenagem aos homens e mulheres que antes de Abril estiveram onde era mais difícil estar e lutaram e lutam , com a força das suas convicções, pela construção de um País mais justo e mais livre, mais solidário. Foram muitos os que, de muitos quadrantes, de muitos credos, de muitas ideologias, fizeram a história desta revolução. Uma história contada a muitas mãos , 40 anos de história onde todos nós fomos e somos co-autores. Talvez por isso e cada vez mais Abril seja uma data sem donos.
Não poderia senão trazer-vos as palavras dos poetas para falar de Abril.Sou uma mulher que tem uma convicção profunda na importância das palavras, da leitura e da cultura como um instrumento poderoso na transformação dos sujeitos. Quem não tem palavras para expressar o que pensa, o que sabe , o que diz, está condicionado nas suas escolhas, limitado no exercício dos seus direitos de cidadania. E para muitos, ainda hoje, Abril tarda em cumprir-se, pleno.
Habito uma
casa de livros. nela está guardada a História do Mundo e do Pensamento e esta conta-nos
como os livros e a liberdade sempre se relacionaram, por isso “(…) os livros se queimam, se censuram em épocas
de ditadura – dura de ouvido, dura de cabeça, dura de duração e se promove
a educação e a literacia em tempos de dita – livre, tempos de
livro-pensadores” ( Maria Teresa Meireles).
Regresso
às palavras de José Mário Branco e a um
seu texto de 1979 – tão actual que parece ter sido escrito hoje – um texto que
nos desassossega e interpela:
Dou
voz às palavras do poeta porque temo
que as experiências laboratoriais que são feitas em economias como a nossa, apenas tenham como resultado alimentar um ciclo infernal de austeridade de empobrecimento, de controle social, e de perda de autonomia e soberania e que a estas de associe a perda direitos fundamentais: Educação, Saúde, Segurança Social, Cultura – consagrados naquela que é a carta dos direitos de cada cidadão português: a sua constituição.
que as experiências laboratoriais que são feitas em economias como a nossa, apenas tenham como resultado alimentar um ciclo infernal de austeridade de empobrecimento, de controle social, e de perda de autonomia e soberania e que a estas de associe a perda direitos fundamentais: Educação, Saúde, Segurança Social, Cultura – consagrados naquela que é a carta dos direitos de cada cidadão português: a sua constituição.
temo as consequências das repetidas instrumentalizações do estado ao serviço dos grandes interesses privados, às vezes partidários, às vezes até dos pequenos e mesquinhos interesses pessoais.
porque só nas palavras dos poetas encontro o abraço que me abriga do autoritarismo do poder, da inflexibilidade do eu quero, posso e mando, da incapacidade de escutar, de infletir rumos, hipotecando projectos estruturantes importantes para o desenvolvimento dos territórios, para a qualidade de vida das populações.
Trago hoje a esta
sala a palavra do poetas, porque nelas mora esse Abril primeiro, inocente e
limpo, que nos convoca a resistir e que nos anima a permanentemente a reinventar
: Ai, Zé Mário (…) E se inventássemos o mar de volta, e se inventássemos partir, para
regressar. Partir e aí nessa viagem ressuscitar da morte às arrecuas que me
deste. Partir para ganhar, partir para acordar, abrir os olhos, numa ânsia
colectiva de tudo fecundar, terra, mar, mãe... Lembrar como o mar nos ensinava
a sonhar alto, lembrar nota a nota o canto das sereias, lembrar o depois do
adeus e o frágil e ingénuo cravo da Rua do Arsenal, lembrar cada lágrima, cada
abraço, cada morte, cada traição, partir aqui com a ciência toda do passado,
partir, aqui, para ficar... Assim te quero cantar, mar antigo a que regresso.
Neste cais está arrimado o barco sonho em que voltei. Neste cais eu encontrei a
margem do outro lado, Grândola Vila Morena. Diz lá, valeu a pena a travessia?
Acho que todos diremos
que sim, que valeu a pena, que foi longa a jornada e mais longa ainda a que
precisamos empreender para chegar ao lugar onde se joga a possibilidade de nos
podermos construir como homens e mulheres inteiros. Obrigada.
Cristina Taquelim/representante do Movimento de cidadãos por Beja com Todos /25
de Abril / 2014.
Sem comentários:
Enviar um comentário