terça-feira, 10 de janeiro de 2012
Quase que aposto ...
Vai por bom caminho a edição em Portugal, quando dispensa editores do perfil e da qualidade de José Oliveira. Vai por bom caminho a Leya quando se dá ao luxo de prescindir do saber, da competência, da paixão , de um editor como o José Oliveira e... quase que aposto que esta extinção tem um sabor a revanchezinha, a acerto de contas, mascarada com as contingências dos novos mercados ... no que estas , as contigências , tem de mais abjecto . Um abraço para o José Oliveira , de quem trabalha em leitura pública e muito tem para lhe agradecer enquanto editor.
Um abraço de Beja e que o cante nos acompanhe.
http://youtu.be/AwPQ661_7ms
sábado, 7 de janeiro de 2012
deixar ir o coração...
sexta-feira, 30 de dezembro de 2011
Escrever é enganar o tempo
Por cá, aparentemente, tudo está na mesma… No entanto nas muitas casas onde habito, as mulheres estão todas mais maduras e nas aldeias, o feminino que sempre foi o suporte das casas, pouco a pouco sai e ganha as ruas. É lenta esta mudança. Ninguém as vê, mas elas lá estão resistentes e na base da estrutura das pequenas comunidades. Entre muitas outras coisas, cuidam dos netos. Algumas contam, algumas cantam. Algumas lêem livros.
Na Trindade vive uma destas mulheres. Uma mulher leitora. Não sei muito sobre ela, mas sei que só ela conhece O LIVRO quase de cor. Herdou-o do pai, todo escrito a recortada caligrafia. O LIVRO a partir do qual ensaia o presépio da Trindade enquanto aqui lê um pedacinho da loa, ali canta a cantiga da cigana que ia adorar o menino, de vez enquanto lamenta, não ter mais gente a ajudar a fazer o Presépio, não ter um tocador.
Este auto de Natal, tão antigo, onde só entravam homens, hoje quase não os tem. Fazia-se na véspera de Natal, na rua, no largo. Fogueiras todas em volta e entrava a Loa. A aldeia enchia-se de povo preparado para escutar uma noite inteira e todos sabiam que graças a ele teriam o necessário para o almoço de Natal.
O LIVRO jaz sobre a mesa, envelhecido. Apenas ela é capaz de o tornar vivo quando o conta. Diz o livro, servindo de ponto e de modelo. Ela sabe qual é a cadência certa, o LIVRO não.
O livro não conta como tudo se fazia, não conta que as vestes eram feitas de saca e pano de camisa… Sem ela O LIVRO é letra morta. São as pessoas que dão sentido aos livros. Diria mesmo mais são as pessoas que dão sentido aos objectos culturais.
As viagens à memória são sempre instrutivas. Obrigam-nos a recordar o que fomos e a perceber que temos de olhar melhor para o que acontece perto de nós, como o auto de Natal da Trindade e tantos outros. Não por ser moda, mas porque o que ali vai acontece - dia 6 de Janeiro - O Presépio, nos diferencia e apesar de todas as crises, persiste. Resiste.
A afirmação de cada país, cidade, organização, de cada pessoa, constrói-se da sua capacidade de construir compromissos, entre deveres e direitos, entre responsabilidade e liberdade entre a produção e o lucro, entre tradição e contemporaneidade, mas sempre em torno das pessoas. As pessoas são sempre a solução, nunca o problema.
A afirmação de um mundo mais MUNDO, passará sempre pelo compromisso que permita que cada um de nós esteja individualmente melhor, porque todos vivemos melhor e mais inteiros. Estes são os meus votos para o ano que agora começa!
( in :Diário do Alentejo , Dez,2011.
domingo, 28 de novembro de 2010
Ser solidário assim ,,,e aprender sempre !
Estamos sempre a aprender e ontem na minha primeira modesta participação no armazém do Banco de Alimentar aprendi muito. Aprendi que apesar da dureza dos dias, as pessoas ainda não perderam aquilo que as distingue das bestas. Aprendi que de Beja e arredores chegam toneladas de géneros e que estes são escrupulosamente pesados e contados para garantir que nos próximos seis meses, vão chegar a quem precisa. Depois passam por umas dezenas de mãos e são arrumados em dezenas de prateleiras: massas, leite, leguminosas, arroz, açucar, farinha, papas, etc. Depois são distribuidos por uma centena de instituições do distrito e destas chegam a uns milhares de bocas - cada vez mais...cada vez mais... Aprendi que para além do meu olhar sobre o pais de mansos que somos, para além da certeza de que mereciamos todos viver num país em que ninguém passasse pela humilhação de esticar a mão para pedir pão, que para além das minhas convicções ideológicas, há uma realidade incontornável de um estado negligente para com os mais fracos, para com os mais pobres, que nega o direito ao trabalho a milhares de cidadãos, e onde o exercicio de cidadania destes voluntários em Beja , milhares por todo o país, é fundamental. Li nos olhos dos mais experientes, dos mais engajados, a alegria e a preocupação, pois talvez só eles saibam as verdadeiras repercussões que pode ter uma campanha mal sucedida. Aprendi que não me interessa de onde vêm , nem os seus credos ou convicções religiosas, ideologicas. Aprendi que a única coisa que ali me interessa é oferecer o meu tempo, o meu corpo e energia à sua causa. Estou toda lascada. Doem-me os braços, as costas, o Nolotil já não me alivia a dor na anca. Doí-me a alma... mas sei que ontem quando de lá saí ainda lá ficaram, e, agora que escrevo, ainda lá estão, seguramente com também com dores e descarregam e pesam e arrumam e esperam , e desejam que, carregamento a carregamento, se possa cumprir o objectivo de todos : encher aquele armazém para os seis meses que faltam até à próxima campanha.
quarta-feira, 24 de novembro de 2010
Como se cozinha um povo de mansos ...
Criemos uma Escola sem chama, de professores esgotados pelo sistema e famílias escravas, vivendo para trabalhar.
Queimemos o País lentamente , com discrição.
Coloquemos nas direcções gerais, até mesmo dessas que tratam da leitura, alguém que se controle, um tonto, um amigo, mesmo que seja incompetente e depois, para dar um certo ar de seriedade e de contenção, hipotequemos anos de trabalho e investimento e que se extinga essa direcção.
Acabemos com essa coisa perigosa que são as bibliotecas, reduzindo-as à sua insignificância, suspendendo as aquisições de livros , reduzindo as despesas supérfluas como as revistas e os jornais. Que se coloquem nos lugares chave, os da nossa confiança, os boys do sistema, que se controle todas as fontes de informação, para que todas as opiniões sejam iguais.
Que se meta a vida cultural das cidades, do País, no calabouço e junto a ela o direito ao tempo, a poesia, e quem a diz, ou pinta, ou escreve, quem a pensa e aproveitem para limitar também a capacidade de cada sujeito de expressar afectos, emoções e conceitos.
Que as gentes passem os dias contando patacos e se preocupem exclusivamente com sobrevivência, que sejam o que têm e vivam sempre em competição e que se criem sistemas de avaliação de desempenho encostadas às progressões das carreiras, que se coloquem quotas para acordar a besta adormecida que há em cada sujeito e assim explorar o que de pior tem a natureza humana: o individualismo, a subserviência e a competição desenfreada.
Que se ataque em todas as frentes para que acordem todos os dias de mãos cheias de vento, a almas cheias de nada.
E se tudo isto não chegar que se renegue Abril e todos os seu valores, o estado Social e todos os seus horrores, os direitos sociais de quem trabalha e que este seja o único discurso que se escuta… o nosso eco … e fiquemos serenos, firmes a aguardar, os custos sociais do que aqui se está a cozinhar!
Há principios e valores que sempre irão abrir caminho !
Chove em Santiago e da janela do meu quarto, como num sinal de que o tempo tudo colocará no seu lugar, recortam-se as torres da imensa Catedral. Vim, em representação da organização em que trabalho, participar num simpósio sobre fomento à leitura, organizado pela Associação de Editores Galegos e bem acompanhada pelo “Papaleguas”, conhecem? É um tipo notável este Papaléguas, mais… é um ser humano, notável, naquilo que mais notável o ser humano tem: a generosidade. O seu trabalho consiste em andar ao volante de um bibliomóvel, levando experiências leitoras a aldeias de 20 ou 30 habitantes, a populações isoladas, envelhecidas, proscritas no seu exercício de cidadania, não porque não possam votar, mas porque tem baixas ou nenhumas competências de leitura e nenhuma voz social.
Nestes dois dias, assistimos à apresentação de projectos vindos de muitos lugares. Uns dirigidos a bebés e mães, outros dirigidos a jovens, outros em escolas, outros organizados por grupos de pais. Em comum todos têm a força das pessoas que os desenvolvem, a paixão com que lutam pelos seus leitores, o esforço por manter acesa a chama, mesmo com a danada da crise, os baixos orçamentos e a indiferença dos poderes políticos ou institucionais. A capacidade de resiliência desta gente que investe, pesquisa, se entrega, buscando, a diferentes vozes, cumprir a sua função social, é inspiradora! Como sobrevivem é uma incógnita.
Se os poderes, todos os poderes, fossem inteligente e pensassem genuinamente no desenvolvimento das suas comunidades, na qualificação humana das suas comunidades, no desenvolvimento económico e social das suas comunidades, fariam de cada projecto de leitura a sua bandeira e tratariam estes homens e mulheres e os projectos que protagonizam com o respeito que merecem.(...) Do que um homem é capaz (...) para levar de vencida uma razão de vencer . (...)A eles e a elas o meu abraço solidário
quinta-feira, 30 de setembro de 2010
Não sei o que tenho em Beja - ou crónica de uma estrangeira

Tem andado aceso o submundo da blogo esfera, ao qual, como perceberão, aderi muito recentemente. O tema de fundo era o carácter bienal do evento, o seu significado para a cidade de Beja e isto em contraponto com outros eventos do burgo – Beja Moda 2010, cantigas na Praça, Beja Wine Night - e vejo-me a pensar se deverei escrever sobre isso no meu primeiro post pós Andarilhas. Se deverei entrar nesta batalha do bem contra o mal, neste Sporting Benfica, neste solteiros contra casados, nesta guerra entre velhos e novos, entre o popular e o populista, nesta discussão entre o sociality e a reality.
Chego à conclusão que sim e tentarei fazê-lo discutindo conceitos pois considero que cada evento que surge num determinado território tem atrás de si um conceito. Falo especificamente das Palavras Andarilhas, mas até poderia falar de um Festival de Bd, de um Animatu, de um Festival do amor (brilhante ideia se não estou em erro por Pedro Ferro, esboçada de forma medíocre na sua última edição) de uma Moda Beja 2010, de umas Cantigas na Praça de uma Beja Wine Night – e abro todo este leque, porque considero que cada um destes eventos personificam conceitos diferentes de cidade.
Devo a mim mesma, este exercício de cidadania e devo-o também à organização onde trabalho e que desde sempre tenho ajudado a pensar, devo-o aos leitores e não leitores da cidade, aos técnicos de todas as áreas com quem tenho tido o privilégio de crescer, à minha equipa e até mesmo, aos vergalhudos que aproveitando a polémica e a sombra confortável do anonimato vão dando uma ou outra alfinetada confirmando que a misogenia está de boa saúde e a natureza humana já teve melhores dias.
Escrever sobre as andarilhas é falar de identidade, de memória, de património, de contemporaneidade, de todas as manifestações da palavra e tudo isto alicerçado num equipamento com um projecto – talvez o único equipamento da cidade que desde a primeira hora teve um projecto. Quando digo que cada evento personifica um conceito de cidade falo da cidade que temos e da cidade que queremos. Ou melhor, a cidade que os Bejenses querem para si, porque eu apesar de amar Beja, serei sempre uma estrangeira.
Usar a palavra como instrumento numa região que nunca teve voz, reforçar a identidade e a memória numa cidade que perdeu a relação com o seu mundo rural e necessita dessa raiz para se entender , valorizar o património – oral - de forma criativa construindo pontes com a contemporaneidade – a literatura , perspectivar a esperança de uma cidade leitora, é trabalhar sobre um conceito cultural gerador de desenvolvimento.
Não tenho nada contra o facto de se querer vender a ideia de Beja como uma espécie de Ibiza do Alentejo, uma espécie de Lux ou de Urban Beach a arrastar-se em gerúndios. Uma espécie de Ovicopos, com menos lama e sem touradas. Nada me move contra esta espécie de glamour, artificialmente marcado pelo ritmo alucinante dos Dj’s, iluminado pelo brilho dos copos e do gelo, onde fabulosos pares de pernas vestindo Augustos – estilista de enorme qualidade e de refinado gosto – marcam o ritmo e o caminho para esta espécie de “nova” urbanidade, que parece ter aterrado na cidade. Apenas estranho este desejo em ser uma espécie de alguma coisa, em criar um Jet Set local alimentado por figuras públicas secundaríssimas, artistas encostados nas prateleiras das televisões, cantores adiados que vêm até Beja animar praças, quando Beja tem os seus eventos originais. Beja tem público para tudo e até o que está formado e formatado por sucessivas exposições aos Fama Shows dos media e pelo livre acesso às revistas cor - de – rosa . Nada me move contra o vinho, cultura que prezo, que considero importante para a região, mas que penso deve ser tratada numa relação custo - benefício mais equilbrada.
Apenas lamento que se faça coincidir uma Beja Moda 2010, ao que sei com imensa participação, com a última noite de umas Palavras Andarilhas, as mesmas que com menos 60% de orçamento deram à cidade maior cobertura mediática que uma Beja Wine Night, as mesmas que diferenciam a cidade, de tudo o que se faz no pais. Apenas lamento que tantos anos depois, ainda não se tenha encontrado fontes de financiamento comunitárias e regionais que possibilitem Andarilhar sem a corda na garganta. Lamento mas não estranho. Pois tantos anos que levo em Beja, já me habituaram a sucessivos tiros nos pés.
Beja, que tem público para tudo, parece não ter capacidade de se sonhar como cidade, de sair dos estereótipos do glamour e do sucesso de plástico e acarinhar, também financeiramente, os projectos que fazem acontecer em Beja o que não acontece em mais lado nenhum.
Há muito tempo que as Andarilhas deixaram de ser uma espécie de qualquer coisa. São um evento irreproduzível, porque quem as pensou tratou de lhe dar esse cunho. São o resultado de um trabalho calibrado ao longo do ano, ao longo de muitos anos de uma pequena organização que não pode esgotar os seus recursos e energias num evento que dura 3 dias - que tem mais de 4 meses de preparação – e descuidar o trabalho do ano. .Acaso quem defende a sua anualidade sabe da dimensão da equipa que as promove? Sabe que no programa do encontro estão idosos que são acompanhados a partir do programa de leitura em meio rural e esse trabalho de recolha, de identificação e de construção de relação exige tempo e tem de ser cuidado? Que as sessões para público familiar ficam lotadas durante estes dias e são participadas pelos pares de pais e filhos que ao longo do ano frequentam os projectos continuados de formação de publico leitor. Alguém percebeu que a vinda de Chullage e Paulo Condessa assenta numa estratégia de captação de publico juvenil, de abertura ao ensino secundário e que a oferta para público escolar é o culminar de um trabalho desenvolvido em parceria com mais de 19 bibliotecas escolares. Acaso perceberam que as Andarilhas fazem a ponte entre linhas de investigação e o mundo da prática e que qualquer destes mundos precisam de renovar-se e que quem as pensa, precisa de tempo para ver, conhecer, estudar de forma a manter a coerência do evento e simultaneamente encontrar novas linhas de trabalho, de forma a trazer experiências diversificadas a todos os andarilhos onde estão mais de 50 mediadores de leitura do concelho e que acedem gratuitamente ao encontro ou a actividades de natureza formativa nele integradas.
Será que alguém percebeu isto? Onde estavam os defensores da anualidade das Palavras Andarilhas quando, neste ano de crise, se cortaram - é público - as verbas na área cultural da cidade? Acaso perceberam que desde Março de 2010, o acervo infantil vive das escassas doações de editoras ou de autores? Acaso perceberam que por questões de natureza financeira se sacrificaram mais de 50% das actividades que as Andarilhas tradicionalmente levavam às crianças e adultos de Meio Rural. Acaso perceberam que o Animatu deixou de realizar-se? Que o Festival de Bd foi feito por obra a graça de dois Espiritos Santos.
Passar as andarilhas para Bienal foi uma questão estratégica e técnica de quem pensa responsavelmente no que faz, de quem sabe o que anda a fazer e é responsável pelo crescimento saudável de um projecto fundamental à cidade, à nossa cidade. A vossa cidade.
Vinte e muitos anos vivendo em Beja e sei que serei sempre uma estrangeira mas, apesar deste amor desavindo estou grata a Beja e devo-lhe estas linhas.
Foi em Beja que aprendi a competir e a lutar, que abandonei dogmas e descobri na solidão a minha voz social. Foi em Beja que fiz as primeiras asneiras das primeiras autonomias e cresci profissionalmente. Foi em Beja que encontrei quem incondicionalmente me ama, que pari e que as minhas filhas tiveram o seu primeiro sangramento. Foi em Beja que cresci profissionalmente e tive as minhas primeiras grandes perdas e é por isso que me atrevo a escrever o que escrevo e a pensar o que penso e criticar o que entendo ser criticado, na cidade e na organização a que pertenço.
Estarei sempre grata a Beja por me permitir viver a experiência intensa e arrebatadora que participar num processo como este . Fazê-lo é uma graça, um privilégio que agradeço a todos os que nestes anos andarilham ao nosso lado: à pequena equipa que desde a primeira hora e todas as vezes, está presente, e aos outros que nestas horas vem ajudar, aos muitos narradores e especialistas de tantas áreas que trazem o melhor que fazem a Beja , aos muitos voluntários, a todos os que delas cuidaram, aos que e as aproveitam para crescer, para aprender, para sonhar e se divertir e agradeço até aos que nunca nos apoiaram ou o fizeram contrafeitos sem alguma vez terem percebido o seu conceito, o seu papel transformador. Todos me dão a incerteza do caminho e nela a Utopia de continuar a fazer das Bibliotecas “ o lugar onde moram as palavras”: a palavra liberdade, a palavra memória, a palavra identidade, a palavra PALAVRA .
Durante os mais de 3 meses de gestação de mais uma edição, a cada sucesso, a cada revés, a cada vitória ou decepção, lembrei-me muitas vezes do Mestre. Ele sabia a cidade que Beja poderia ser, se ousasse!
Agora… que já disse o que me anda há três semanas a doer-me no peito, há 4 meses a encher-me a cabeça, há uns 11 anos a corroer-me a alma, … vou cuidar de mim!
domingo, 29 de agosto de 2010
Assim não vamos longe...
Moro numa aldeia pequena, na parte mais velha, num pequeno largo meio abandonado ao sossego e à canícula dos milenares agostos alentejanos.
Pouca vizinhança, quase todos velhos, uma ou outra família mais numerosa - a quem um dia hei-de perguntar a receita de fazer render dois ordenados mínimos, para 7 pessoas – um ou outro rendimento social de inserção. Em comum tem uma história de baixa escolaridade e endémicas exclusões.
O Estado Providência, sério, pediu-lhes , num destes dias para apresentarem prova da sua situação , medida deste logo bem recebida pela populaça , sedenta por ver cortados os “ benefícios “ a essa “gentalha” dependente do rendimento social de inserção. O Estado Providência pede-lhes prova obrigatória pela internet ...
o mesmo Estado Providência que fecha os olhos aos Off - Shores,
o mesmo Estado providência que paga ordenados milionários aos gestores de empresas públicas, que por não terem concorência , estão predestinadas ao sucesso, ( e que tal rodarem num CP, para que esta dê menos prejuízo );
o Estado Providência que se dá ao luxo de desbaratar anos e anos de fundos comunitários numa politica de acessibilidades obsoleta, numa política de saude desastrosa, política de justiça suspeita ;
o Estado Providência que ao longo destes anos criou centenas de mecanismos de parasitismo e lobbys, no poder politico - quase transformado em casta – mas também no poder diplomático, no poder judicial; nas empresas públicas;
o Estado Providência, que após 36 anos de democracia, ainda não foi capaz de gerar mecanismos de combate à promiscuidade entre a politica e a economia, promiscuidade entre os interesses partidários e os interesses do país, entre os interesses de alguns e o bem de todos;
o Estado Providência que perdeu o sentido de serviço público e que durante estes anos , colocou o nosso sistema educativo à deriva sem conseguir , pelo menos nas questões essenciais criar um pacto de regime, estável;
o mesmo Estado Providência que permite que altos responsáveis pela área financeira de autarquias digam que se pudessem fechavam bibliotecas;
Pois é mesmo este nosso Estado Providência, que enviou uma carta a mais de 2 milhões de portugueses , beneficiários do rendimento social de inserção e subsídio social de emprego, onde refere ser obrigatória a prestação de prova de rendimentos utilizando os recursos electrónicos do Sistema - site da segurança Social : - “ As provas são obrigatoriamente efectuadas no sítio da internet , em www.seg-social.pt, para que deve ler, com atenção as instruções que seguem nas folhas em anexo…” e seguem-se as medidas penalizadoras para a prestação de declarações erróneas. EXTRAORDINÁRIO! Que estado rigoroso! Que administração tão moderna!
Com malabarismos destes, no meu Portugal utópico, no meu Portugal de Abril, os pobres que já perderam os meios de subsistência, estão agora também a ser espoliados do seu direito fundamental: o direito à dignidade.
Pedir a um subsidiado que apresente a sua declaração de rendimentos recorrendo a meios electrónicos, pode significar muita coisa e nenhuma, abonatório para o estado providência: imaginação delirante, insanidade total, uma crença cega no plano tecnológico nacional, um erro técnico, a ideia de que o Simplex eleitoral deu buraco; uma falta de respeito por mais de dois milhões de analfabetos funcionais, info excluídos... " Tenho - pelo meu país - um grande amor, marcado pela dor ...!( há grande Mário ! ) "
Estes gestos descredibilizam o discursos de rigor e seriedade na gestão do interesse público e revelam a demagogia desta enormíssima manobra de marketing político, oportunista , mais uma, que apenas serve para apaziguar ânimos e branquear o estado a que o país chegou.
A Segurança Social Portuguesa, já devia ter instituido uma regra que obrigasse os seus utentes subsidiados, à apresentação semestral ou anual de uma declaração de rendimentos. É que todas estas pessoas , supostamente , estão a ser acompanhadas por equipas técnicas, que reportam regularmente a informação aso serviços. Como é possível pedir que isto se faça pela internet? Não se conhece o perfil dos utentes destes serviços? Porquê esta abordagem massiva? Para jogar com a mediatização da medida e dar um sinal - ao país que tem trabalho, que desconta, que suporta, que está descontente- de que existe uma política de rigor governamental .
Uma medida desta natureza só tem um objectivo, iludir o povo e dar uma aparente seriedade e ar de modernização ao sistema e já agora , no meio deste malabarismo mediático, poupar uns trocados.
O poder está cada vez mais arrogante e os pobres cada vez mais humilhados. Afinal de contas a quem serve este Estado Providência?