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domingo, 15 de dezembro de 2013

e já agora a propósito da carta.a Bartolomeu...

 


Vem este post a propósito do fim da comissão de serviço da Chefe de Divisão de Bibliotecas Maria Paula Santos e da decisão legítima do novo executivo, decisão que conheci no dia em que foi publicamente anunciada no boletim municipal electrónico, disponível para consulta pública em :http://www.cm-beja.pt/docs/PDFs/Documentos/Boletim_electronico/05/Despacho_Chefe_DE_e_resp_DB_-_29NOV2013.pdf ) - edição nº 5/2013.  Diz o despacho:





Não usarei estas linhas para fazer apreciações de carácter, sobre quem tomou a decisão ou lançar na praça pública assuntos que antes devem ser tratados na privacidade das organizações. Não tocarei em nomes. Tenho para cada um dos envolvidos deveres institucionais e de lealdade pessoal. Tenho um compromisso para com os leitores e não leitores com quem trabalho. Tenho deveres para com a equipa que integro e que todos os dias dão seu contributo para a criação de um HOMEM NOVO, aquele que - como dizia Bento de Jesus Caraça - tem consciência da sua posição no cosmos e, em particular, na sociedade a que pertence; tem consciência da sua personalidade e da dignidade que é inerente à existência como ser humano; o que faz do aperfeiçoamento do seu ser interior a preocupação máxima e fim último da vida.” (acho que usei esta frase num post antigo, a propósito de uma outra comissão de serviço , num outro equipamento cultural - aqui nesta etiqueta ( entre linhas)?

Tenho também deveres de consciência e por isso não me posso demitir de expressar publicamente que, apesar de reconhecer a legitimidade de quem assim decide, apesar de reconhecer total legalidade na decisão, discordo em absoluto com a forma como todo o processo foi gerido e também com a decisão tomada. Por isso deixo público, o meu comentário de funcionária pública, sobre uma decisão que é pública. Internamente, se me for dada tal oportunidade, comentarei o processo.

Também sei que existem outros enquadramentos legais, para esta situação e que outras soluções igualmente legais seriam possíveis. Soluções que garantissem o maior envolvimento da Biblioteca, através da sua representante directa, nos fóruns técnicos, onde se reflectem, discutem, questionam, fundamentam e apoiam, as decisões e a execução das políticas culturais do concelho.
 
Lamento o facto desta decisão, ter sido tomada em relação a um quadro dirigente de uma equipa que sempre deu provas, mesmo nas condições mais adversas. Uma equipa que nestes 20 anos de existência, não parou de encontrar novas soluções para novos problemas. Veja-se o que foi manter a biblioteca a funcionar, nos últimos anos, num quadro económico e social de grandes fragilidades, encontrando respostas para problemas de diferentes naturezas, identificando formas de trabalhar com baixos custos, concorrendo com projectos para encontrar financiamentos, realizando ainda as, por muitos consideradas, melhores Palavras Andarilhas de sempre. 

Lamento também o desperdício, pois a dirigente tem uma notável capacidade de trabalho, formação especializada na área da gestão autárquica, na área do planeamento e gestão documental, prestigio no meio e parece-me que qualquer novo executivo ganha em ter por perto gente que sabe e se dedica, mesmo que nem sempre concorde. Poder contar com técnicos que garantem com empenho, o trabalho que é feito num equipamento cultural, parece-me uma arma poderosa. Poder contar com um equipamento que possa ser o rosto de uma política cultural de qualidade num qualquer território, é um privilégio. E acho que já tenho tempo de casa suficiente para dizer, com alguma segurança que todos os executivos contaram desde a primeira hora com esta biblioteca. Foi assim com Carreira Marques, com Francisco Santos, com Jorge Pulido Valente. Os executivos e o Concelho.
Lamento que, existindo uma solução de coordenação de proximidade, conhecedora dos processos em curso, dos procedimentos, das rotinas em áreas técnicas especificas, das soluções já experimentadas, disponível para trabalhar com TODOS, não se tenha optado por manter a dirigente a coordenar a equipa, à semelhança de outros dirigentes que coordenam equipas sem serem chefes de divisão, possibilitando: acesso privilegiado à informação, mais eficácia na resposta e a possibilidade da Biblioteca participar na reflexão e discussão das questões sócio- educativas e culturais do concelho.

Lamento-o também, por considerar uma decisão profundamente injusta. Conheço a Paula Santos, há muitos anos, nos últimos cinco anos como minha superior hierárquica. Nem sempre concordamos, por vezes empinamos cristas, mas aquilo que nos une é infinitamente maior do que aquilo que nos separa. Reconheço-lhe alguns defeitos mas muitos mais méritos e um deles é nunca voltar a cara à borrasca e insistir, e argumentar, e pressionar para se encontrar uma solução para o elevador, para o ar condicionado e batalhar para que a máquina não pare, as impressoras funcionem, as novidades entrem na estante, que a programação faça sentido com o que andamos a fazer no terreno, para se responder com qualidade às necessidades dos leitores, para que se encontre uma solução informática estável e integrada para servir melhor os utilizadores e melhores condições de trabalho aos técnicos. Numa luta permanente para que a Biblioteca não perca centralidade, na vida da organização e na vida das pessoas, dos cidadãos.

Durante estes últimos anos aposto que passaram muitas vezes, depois da meia noite na Rua da Biblioteca, mas tenho a certeza que poucos olharam para a varanda. SE OLHASSEM , VERIAM , uma luz aberta pela noite dentro. Como no tempo do Mestre, a luz daquele gabinete é quase sempre a última a se apagar.

Espero que esta decisão se deva apenas a uma precipitação, um desajeitamento, fruto do turbilhão de decisões que tem de ser tomadas. Espero... e mais não direi sobre o assunto! Por aqui me fico, nos ficamos, continuando a trabalhar clássicos quando não há novidades, continuando a pensar e repensar como fazer mais tendo cada vez menos; a motivar equipas que há anos estão em perda salarial e de direitos de trabalho. Continuando a semear, como é nossa obrigação, trabalhando todos os dias para a missão maior das Bibliotecas: construir comunidades.

Devia este post à minha consciência e à Paula Santos.


 

sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Os textos e as entrelinhas ...

Há uns anos ao ler um livro de Alice Vieira, escutei uma voz de menina que comentava estupefacta: o grande cuidado que se tem com as coisas e o pouco cuidado que se tem com as pessoas! ( A Alice é fabulosa , nesta coisa de falar nas entrelinhas)

Veio-me esta frase à lembrança, a propósito de uma carta que recebi no dia 30, de um colega ( dirigente e meu superior hierárquico ) que terminando a sua relação laboral com a organização que sirvo, regressa agora, envolto em silêncio, à sua escola de origem. Durante alguns anos trabalhamos juntos, disputando recursos, partilhando projectos, divergindo em pontos de vista,convergindo noutros. Tivemos pouco tempo para celebrar sucessos.( O SUCESSO em cultura é sempre algo que demora muito tempo a celebrar)... terminava a sua carta dizendo:
" Com a consciência do dever cumprido, termino com uma frase do “nosso” Bento de Jesus Caraça, escrita em 1933 : “A aquisição da Cultura significa uma elevação constante do Homem; significa, numa palavra, a conquista da Liberdade”... surpreendeu-me e tiro-lhe o chapéu pela coragem, pela elevação e dignidade como geriu todo este processo, no mínimo nebuloso.
Não discuto, a legitimidade democrática de quem decide, mas impõe-se - não ficaria bem com a minha consciência se não o dissesse - tratar as pessoas com dignidade, pois considero que a dignidade é um bem precioso.Talvez a última fronteira entre o Homem e as Bestas.

No momento em que se fecha um capítulo desta dimensão, na vida de alguém, uma frase nunca é escrita por acaso e senti-me desafiada a buscar o texto integral da conferência de Bento de Jesus Caraça "A Cultura Integral do Indivíduo - Problema central do nosso tempo" , realizada na União Cultural «Mocidade Livre» em 25 de Maio de 1933), a ler as reflexões expressas na conferência mas, sobretudo, a ler nas entrelinhas, muitas outras coisas.

Umas quantas frases ficaram a latejar-me na cabeça ( como pedras lançadas a um charco, gerando ondas... ondas) partilho-as agora de forma um pouco avulsa .
cit.BCJ:
E aqui reside o grande drama em que, de todos os tempos, se tem debatido a humanidade -condenada a só poder evolucionar e progredir sob a acção vivificadora e fecunda de alguns dos seus indivíduos, ela vê-se ao mesmo tempo impotente para impedir que esses indivíduos se transformem em seus verdugos. Ela assiste, incapaz de o evitar, à criação das castas que são como outras tantas sanguessugas sobre o seu corpo, sem, ao menos, lhe restar a solução de as eliminar, porque isso equivaleria à sua morte no pântano estéril da incapacidade.
(...)
aquelas elites propulsionadoras, em cada período histórico, do desenvolvimento científico, literário, artístico, foram realmente aquelas que, nesse período, ditaram a forma de constituição da sociedade, a orientaram, regulam o seu funcionamento orgânico?Por outras palavras, elite científica e cultural e classe dirigente,são a mesma coisa? Ou, melhor ainda, a primeira está compreendida na segunda? Uma consulta à história fornece resposta imediata pela negativa.
É abrir esse grande livro e prestar ouvidos aos queixumes e protestos com que aqueles homens verdadeiramente de elite, aqueles que, alguns séculos mais tarde, dão o tom ao mundo da alma e do pensamento, respondem às perseguições que os seus contemporâneos das classes dirigentes lhes movem
.
Incompreensão completa duma forma nova de pensar, temor de que um ataque à rotina abale os alicerces de um poderio egoísta, de natureza espiritual ou material, vários são os elementos que se conjugam para fazer desses homens um grupo à margem, que só à força de heroísmo conseguem conservar aceso, e transmitir às gerações seguintes, o facho da cultura.Passam-se ao menos as coisas de maneira diferente no século em que vivemos?
Devemos confessar, em homenagem àquilo que temos como a verdade, que, apesar de as condições actuais de vida, constituírem dentro de certos limites, um meio mais propício para a luta de ideias, não deixa porém de ser certo que a actuação das elites, sempre que queira exercer-se contra os interesses da classe dirigente, está sujeita a perigos análogos aos de outros tempos.(...) Mas, se a identificação de classe dirigente e elite cultural nunca se deu nem se dá, para quê o pretender estabelecê-la?
Razão evidente e única – porque a classe dirigente, não tendo que fazer de momento, nem necessitando, dessas
antecipações geniais no domínio da ciência e da cultura (aos seus autores é dada a liberdade de morrer na miséria), precisa no entanto daquilo a que podemos chamar valores científicos e culturais de segundo plano, a fim de adquirir uma base mais sólida de existência e domínio. E como, por outro lado, ela sabe bem que mal vai o seu poderio quando ele é exclusivamente de natureza material, fabrica, para seu uso próprio, um conceito novo de elite, deformador do verdadeiro, e, armada com esse conceito novo e servida por aqueles que se prestam a dar-lhe corpo, pretende aparecer como suporte único do movimento cultural, relegando para o domínio do subversivo, a que é preciso dar caça, tudo aquilo que contrariar os seus cânones.
Ser-se culto não implica ser-se sábio; há sábios que não são homens cultos e homens cultos que não são sábios; mas o que o ser culto implica, é um certo grau de saber(...)
O trabalho de submissão, de lamber de botas, da parte das chamadas camadas intelectuais, tem sido duma perfeição dificilmente excedível. Digamos, para irmos até ao fim, que os mais excelsos nesse mister são frequentemente aqueles que, partidos das camadas ditas inferiores, se guindaram, umas vezes a pulso, outras em acrobacia de palhaço, a posições que deveriam utilizar para defesa dos bens espirituais e que só usam para trair -os seus antigos irmãos no sofrimento.
(...)
o homem culto? É aquele que tem consciência da sua posição no cosmos e, em particular, na sociedade a que pertence;tem consciência da sua personalidade e da dignidade que é inerente à existência como ser humano;faz do aperfeiçoamento do seu ser interior a preocupação máxima e fim último da vida.

Ler nas entrelinhas é sempre bom e entre as linhas da frase com que se despediu, o meu colega deixou muita coisa . Deixo-lhe também nas entrelinhas um abraço:


regressando a BJC com uma última e fundamental reflexão:
"Só figuram de folhas caídas, para uma geração, aquelas gerações anteriores cujo ideal de vida se concentrou egoisticamente em si e que não cuidaram de construir para o futuro, pela resolução em bases largas dos problemas que lhes estavam postos, numa elevada compreensão do seu significado humano. Essa concentração, egoísta tem um nome ,traição, e, se hoje trairmos, será esse o nosso destino - ser arredados com o pé, como se arreda um montão de folhas mortas.E não queiramos que amanhã tenham de praticar para connosco esse gesto, impiedoso mas justiceiro, exactamente o mesmo que hoje nos vemos obrigados a fazer para com aquilo que, do passado, é obstáculo no nosso caminho ".